quinta-feira 16 de maio de 2024

Pôr do Sol, morte e luta de classes na lagoa

De fato, a luta de classes está em tudo, desde o modo como as mulheres terminam sendo as principais responsáveis pelo trabalho doméstico, até a forma como a representação de Lampião aparece no desfile da escola Imperatriz Leopoldinense

28 de fevereiro de 2023 3:51 por Da Redação

Por Osvaldo Maciel, do portal A Voz do Povo

A luta de classes existe e se expressa das mais diversas formas na história das sociedades humanas. Karl Marx e Friedrich Engels, pensadores socialistas do século XIX, não por acaso afirmaram em uma de suas principais obras, o Manifesto do Partido Comunista, escrita em 1848, que a história de todas as sociedades é a história da luta de classes. Muitas vezes nós não entendemos o que significa esta descoberta dialética da ciência da história, e julgamos que luta de classes é apenas uma “luta” explícita e oficial entre as classes sociais, como no caso das Revoluções, das greves promovidas pelos sindicatos, das negociações coletivas de salários etc. De fato, a luta de classes está em tudo, desde o modo como as mulheres terminam sendo as principais responsáveis pelo trabalho doméstico, até a forma como a representação de Lampião aparece no desfile da escola Imperatriz Leopoldinense, Escola de Samba campeã do carnaval deste ano no Rio de Janeiro.

Após este breve e necessário cartão de visitas da leitura que realizamos aqui, vamos ao que interessa, neste final de semana quente e triste que vivemos em Alagoas.

O Bar e Restaurante do Joel fica na Ilha de Santa Rita, às margens da Lagoa Manguaba. Este já é um bar tradicional dos alagoanos que conhecem a culinária da região. Apesar de existir há muitos anos, no entanto, não chega a ser um bar da rota turística e mantém um ambiente ideal para quem não quer badalação. Joel Albino, seu proprietário, é ex-goleiro do CSA (Centro Sportivo Alagoano) e labuta com a família pelo seu sustento. Pequeno empresário, como muitos da área, termina sendo acossado pelas principais tendências do setor da gastronomia e do turismo da região lagunar, e se equilibra entre a resistência a um ambiente mais popular e tradicional, e novidades que são exigidas pelo “trade turístico”.

Por conta da localização, o restaurante possui embarcações que atendem dois objetivos: transportar clientes entre o “continente” e a ilha, e pescar na lagoa. No final da tarde da sexta-feira (24/2), justamente num momento de pesca, uma embarcação foi atingida violentamente por alguém ainda não identificado que dirigia uma moto aquática, atingindo seus três tripulantes: o próprio Joel, além de José Cícero dos Santos, de 47 anos, e Benedito dos Santos, de 58 anos, ambos funcionários do restaurante. José Cícero faleceu na noite do sábado (25/2) e Benedito na madrugada deste domingo (26/2). Na altura em que escrevo este artigo na noite do domingo, Joel continua resistindo bravamente na UTI, lutando pela vida!

Foto: Reprodução

O ambiente em que o Bar do Joel fica instalado, às margens da Lagoa Manguaba, não ocupa qualquer geografia do estado. É um lugar importante, central, para entender nossa formação histórica, o imaginário e muitos discursos que fornecem identidade para Alagoas. Começando que o próprio nome do Estado (antiga comarca e depois província) de Alagoas é uma homenagem as lagoas Mundaú e Manguaba, no estuário onde surgiu uma das suas vilas mais antigas, que já foi capital da província, a hoje cidade de Marechal Deodoro.

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Além da cultura popular, com o Movimento dos Povos das Lagoas, vários intelectuais analisaram a importância destas lagoas para saber quem somos. Desde Otávio Brandão, no ínicio do século XX (20), passando pelos poemas de Jorge Cooper e chegando no Manifesto Sururu do professor Edson Bezerra. Todas estas manifestações, em que pese suas diferenças, exaltam as nossas lagoas e denunciam que, infelizmente, elas ficam as margens da propaganda oficial, que dá as costas para nossa história e fica lambendo e investindo apenas na orla da Ponta Verde e Jatiúca. É Neste local, importante e desprezado, que se localiza o Bar do Joel.

Apesar de ser escanteada por alguns, a região lagunar vem despertando a atenção dos interesses do grande capital. Há algumas décadas, desde a construção da Ponte Divaldo Suruagy, na altura do antigo Detran, a região vem sendo alvo de cobiça e especulação imobiliária e como região de exploração turística. Isto mudou radicalmente a paisagem desta área para quem a conheceu 40 anos atrás! Com a duplicação, as coisas se aprofundaram, com condomínios luxuosos e a expulsão de comunidades de pescadores e moradores tradicionais da região. O impacto ambiental nos manguezais, no bioma, tem sido algo devastador. É a força da grana que ergue e destrói coisas belas, como diria o poeta. Muitos que viviam tranquilamente ali, gente que nasceu, cresceu, jogou bola, brincou de roda, não conseguiam mais morar, ficar nas redondezas. Todos tiveram suas vidas muito afetadas pelo capital (ou seja, pelos interesses das pessoas e grupos que possuíam e possuem dinheiro suficiente para investir e especular na região). Chegaram novos moradores, novos indivíduos, novos sujeitos sociais na área. Alguns, gente boa. Outros, gente que vem para se dar bem e ir embora depois.

E junto vieram os jet-skis, as motos aquáticas…

Antes, nas primeiras embarcações a vela, era uma tarde inteira para atravessar de um lado pro outro da lagoa. Hoje, alguns passam a 70 ou 80 km por hora. Alguns fazem isso para se exibirem, após terem ingerido bebida alcoólica, como demonstram muitas matérias e denúncias já feitas na imprensa local.

E no final das contas, era uma embarcação simples boiando nas marolas contra um motor potente, singrando e sangrando a lagoa: de um lado, um trio trabalhava na pesca, de outro, um playboy se divertindo…

Se ocorreram mudanças na região, quem são os responsáveis por essas mudanças? Quem fiscaliza estes avanços da especulação?

A Marinha do Brasil e os Batalhões Especiais da PM/AL possuem condições adequadas e suficientes para exercer seu trabalho? Qual a infraestrutura dispensada e formação realizada junto aos agentes envolvidos nesta fiscalização?

Há interesses por trás do anonimato do piloto da moto aquática? Por que sua identidade ainda não foi revelada?

Quem ousa afirmar que não é comum dirigir bêbado nestas áreas? Quem lucra com este negócio de ter turista inconsequente ou playboy mimado numa velocidade exorbitante sob as águas de nossas lagoas?

Até quando assistiremos isto?

Obrigados a trabalhar, sob as condições de um capitalismo dependente, como o Brasil, numa região subdesenvolvida engolida pelos canaviais e pelo turismo predador, com poucas oportunidades de emprego, o ex-goleiro Joel e seus empregados, José Cicero e Benedito dos Santos, estavam de um lado desta história, enquanto o piloto (ainda anônimo) estava do outro.

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