terça-feira 14 de maio de 2024

O crime compensa? Caso Braskem completa hoje (3) cinco anos de impunidade

082 Notícias ouviu Alexandre Sampaio, uma das lideranças das vítimas da empresa, que revela: 'houve, com a conivência dos órgãos de controle e dos demais poderes, o apagamento sistemático da existência, da dor e das provas desse crime'
Alexandre Sampaio critica números apresentados pela Braskem | Chico Brandão

Na tarde do dia 3 de maio de 2018, um tremor de terra causou pânico em Maceió. O asfalto cedeu em algumas ruas e diversas residências começaram a apresentar rachaduras.

De acordo com registros do Corpo de Bombeiros, o abalo sísmico de 03/03/2018 foi sentido nos bairros do Pinheiro, Serraria, Farol, Bebedouro, Jatiúca e Cruz das Almas.

Após 14 meses de estudos, o Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, apontou a mineração de sal-gema da Braskem como causa daquela que é considerada a maior tragédia socioambiental em área urbana do mundo.

Braskem destruiu bairros de Maceió | Crédito: Wanessa Oliveira/Mídia Caeté

Com os danos nos bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol, Maceió teve perda de 20% de seu território. Foram-se vidas, histórias, empregos e boa parte da memória afetiva e da riqueza histórico-cultural da cidade.

Cinco anos após os primeiros sinais do crime geológico, o jornalista, empresário e presidente da Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada pela Braskem, Alexandre Sampaio, desabafa: “o crime compensa”.

Ele se refere à impunidade e ao fato de, até hoje, a empresa ter economizado R$ 20 bilhões em indenizações não pagas a milhares de ex-moradores, trabalhadores e empreendedores da região. Tudo isso, afirma, por conta da omissão dos órgãos de controle e de fiscalização, que acaba favorecendo a petroquímica.

Saiba mais sobre essa questão na entrevista exclusiva que ele concedeu ao 082 Notícias:

082: Cinco anos depois da tragédia, que balanço se pode fazer das ações ditas “compensatórias”?

Alexandre Sampaio: O balanço é simples: o crime compensa. 5 anos depois do maior crime socioambiental do mundo numa área urbana, ninguém foi responsabilizado, punido ou preso. Nem na Braskem, nem nos órgãos coniventes com ela, como a ANM – Agência Nacional de Mineração, o Ministério das Minas e Energia, órgãos de fiscalização e licenciamento ambiental.

Cometer um crime dessa magnitude e sair absolutamente impune é um incentivo ao exercício ilegal da mineração. Os acordos provaram para a história que o crime compensa: garantiram à Braskem uma economia de R$ 20 bilhões em indenizações não pagas (veja nas próximas respostas), a valorização de suas ações na bolsa, e negócios imobiliários futuros de R$ 40 bilhões, mais do que o valor de mercado das ações do grupo controlador da mineradora.

082:Como o senhor avalia os acordos firmados desde o início da tragédia socioambiental? Quem saiu ganhando mais? 

Alexandre Sampaio: O acordo se omitiu quanto aos prejuízos e critérios de indenização a empreendedores e comerciantes, bem como aos trabalhadores que perderam renda e emprego, gerando uma enorme dificuldade para se calcular indenizações, impedindo o pagamento de danos morais, quebrando milhares de empresas, desempregando milhares de trabalhadores, favorecendo unicamente a Braskem. Por isso, a economia de R$ 20 bilhões que citei na resposta anterior. Quem saiu ganhando?

Outra tragédia desse acordo foi o esquecimento dos Órgãos de Controle (MPF, MPE, Defensorias) quanto ao diagnóstico dos impactos do crime da Braskem – o acordo foi propositalmente omisso, bem como as entidades da sociedade civil como OAB, CREA, Universidades, além dos poderes executivos nas esferas municipal, estadual e federal, sobre o financiamento de pesquisas a serem realizadas por instituições independentes para entender a real dimensão da tragédia na saúde física e emocional das vítimas,  no impacto econômico e financeiro sobre os setores de comércio e serviços afetados,  sobre o patrimônio histórico, sobre a desvalorização dos imóveis e prejuízos das atividades econômicas no entorno, sobre  o impacto na mobilidade urbana, na educação municipal e estadual,  na prestação de serviços de saúde, e no adoecimento e prejuízos das vítimas (reconhecidas ou não pela Braskem).

Em síntese, o acordo e as autoridades contribuíram para não haver números confiáveis, impedindo a criminalização da Braskem e o reconhecimento oficial da dor existencial e física das vítimas. Ou seja, houve, com a conivência dos órgãos de controle e dos demais poderes, o apagamento sistemático da existência, da dor e das provas desse crime.

082: Em termos econômicos qual o prejuízo que ficou (empregos, renda e valores)? O senhor acredita que será feita justiça em favor da população?

Alexandre Sampaio: Os números traduzem a injustiça. A Braskem deixou de pagar quase 10 bilhões às vítimas. Faça as contas comigo. Apesar de expulsar 60.000 pessoas, 6.000 empresas e 12 mil empreendedores (sócios) e roubar a renda e o trabalho de 30.000 profissionais, a Braskem gastou menos de R$ 3 bilhões com 16.000 indenizações até janeiro/23, o que dá menos de R$ 190 mil por família/selo.

Esse valor não pagaria sequer o dano moral por núcleo familiar, num processo minimamente justo. Se devidamente responsabilizada, a indenização mínima para as vítimas seria de R$ 100 mil de dano moral por pessoa, ou seja, apenas os 60 mil moradores receberiam mais R$ 6 bilhões, além dos R$ 3 bi já pagos. Isso sem falar nos cálculos corretos de danos materiais dos imóveis, e de indenizações mais sérias de danos morais para os casos de morte ou adoecimento, que não foram poucos.

Nenhuma empresa ou sócio recebeu dano moral da Braskem. Se tivermos uma média de 2 sócios por cada uma das 6.000 atividades econômicas, e eles recebessem os mesmos R$ 100 mil de danos morais dos moradores, já seriam mais R$ 1,2 bilhão. A maioria das empresas não foi ressarcida pelas reformas e adaptações em imóveis alugados e não recebeu corretamente o lucro cessante, pois os prejuízos começaram em março/18, ou seja, 5 anos ou 60 meses de prejuízo, mas a Braskem só pagou 24 meses de lucro cessante, num valor bem abaixo do lucro real dos negócios, pois muitas empresas e comerciantes não conseguiram provar 100% do faturamento.

Morador do Mutange observa o que restou de sua antiga casa | Carlos Eduardo Lopes

Calculamos que, além dos danos morais roubados, a Braskem deixou de pagar R$ 1,8 bilhão para as empresas, comerciantes e empreendedores.

Nenhum dos 30.000 trabalhadores formais e informais foi indenizado. Se cada um recebesse 24 salários mínimos, equivalente aos 24 meses de lucro cessante que a Braskem disse ter pago às empresas, o conjunto da massa trabalhadora dos 5 bairros afetados receberia R$ 950 milhões.

As indenizações roubadas das vítimas (moradores, trabalhadores e empreendedores) somam R$ 9.950.000.000,00 (nove bilhões, novecentos e cinquenta milhões de reais).

E quanto Maceió perdeu de receita (IPTU, ISS, Taxa de Localização), quanto as pessoas da região metropolitana perdeu de tempo, combustível e qualidade de vida por causa do prejuízo à mobilidade urbana (vias interditadas, fim do VLT), quanto foi perdido de patrimônio histórico material e imaterial? Quantas escolas foram fechadas e quantas crianças da rede estadual e municipal ficaram sem aulas? Quantos hospitais, clínicas e equipamentos púbicos de saúde foram fechados? Quantas pessoas foram direta e indiretamente afetadas?

Pensar em mais R$ 10 bilhões para cobrir toda essa outra face da tragédia seria até pouco. Não por acaso, as ações da Braskem se valorizaram muito depois dos dois acordos com os órgãos de controle, enquanto as vítimas empobreceram, adoeceram e foram abandonadas à própria sorte.

Prenchimento de cavernas pode estabilizar solo na região do Pinheiro | Divulgação

082: O que o senhor acha de a Braskem se tornar proprietária das áreas que destruiu?

Alexandre Sampaio: Mais uma vez, o crime compensa. Ao comprar, na média, cada uma das 16 mil residências e empresas indenizadas (até janeiro/23) por menos de R$ 190.000,00 cada, ficando com a propriedade de todos os imóveis evacuados, ela transformou o maior crime do mundo no maior negócio imobiliário da história do Brasil.

É uma mentira, um engodo, um devaneio jurídico descolado da realidade dizer que a Braskem não irá lucrar com essa tragédia gigantesca, que ela não poderá fazer empreendimentos residenciais ou comerciais nos 4 km de lagoa e 8 milhões de metros quadrados dos 5 bairros, após a estabilização do solo. Se durante 40 anos ela passou por cima da lei, da fiscalização, dos governos, dos conselhos, dos órgãos de controle, dos órgãos ambientais, quem garante que ela não usará o mesmo “modus operandi” para interferir no novo plano diretor e aprovar o que quiser, como quiser, quando quiser?

É o típico caso da raposa cuidando do galinheiro. Nenhum órgão dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, nenhuma entidade independente financiada com recursos da Braskem,  sem a ingerência da mineradora,  audita, acompanha ou realiza levantamentos paralelos. Toda informação sobre o caso, literalmente, está sob o controle absoluto da criminosa que provocou essa tragédia sem precedentes. Inclusive as empresas como a Diagonal, vendidas como “independentes”, são contratadas e pagas diretamente pela mineradora, numa relação viciada, tendenciosa e pouco transparente. Isso vale também para as ações nos bairros afetados em todas as áreas: segurança, saúde, educação, etc. Na prática ela já é dona desses bairros. Isso só não está escrito.

082: Sobre a questão dos Flexais, como o senhor avalia o que vem sendo proposto àquela população?

Alexandre Sampaio: É um risco do ponto de vista da engenharia e um escândalo antropológico, jurídico e sociológico. Um atentado à lei que define as atribuições dos sistemas de defesa civil e uma prova clara da subserviência das autoridades ao poder econômico da Braskem.

Eu acompanhei o processo no Ministério Público Federal a partir do laudo do Engenheiro Alec Moura Sampaio que apontava a evolução das mesmas patologias (rachaduras, fissuras e afundamentos) nas casas em todas as regiões dos Flexais de Cima e de Baixo, além das Quebradas em relação aos imóveis evacuados nas áreas vizinhas. As casas que ficaram ilhadas apresentavam os mesmos problemas das que foram incluídas no mapa. Por que essa escolha de deixar essa população para trás?

Há um laudo antropológico com provas contundentes do quanto o modo de vida foi afetado pelo isolamento, pela falta de serviços, pelo medo e pela desestruturação social daquelas comunidades.

O Serviço Geológico do Brasil, numa de suas notas técnicas em março de 2020, foi claro em afirmar que não poderiam haver áreas isoladas ou ilhadas, cercadas por perigos tanto geológicos, quanto de insegurança pública, endemias, pragas e risco ao trafegar por área de alto risco. Esses argumentos foram o estopim para a evacuação de boa parte do Pinheiro e do Bebedouro, lá em 2020. Eu já afirmei para o professor Abelardo, chefe da Defesa Civil, que ele será civil e criminalmente responsável por mortes ou feridos nessas regiões, pois é uma atribuição da Defesa Civil zelar pela segurança daquelas pessoas.

Mas o que esperar da Defesa Civil, se todos os carros, equipamentos e boa parte da sua mão de obra atual é paga pela Braskem?

082: Como tem sido a mobilização das vítimas da Braskem ao longo desses anos? Quais as principais vitórias e o que falta conquistar?

Enquanto a maioria da população ainda estava nos bairros, fizemos diversos protestos, inclusive dois fecharam por completo a Av. Fernandes Lima, um fechou a Av. Juca Sampaio em frente ao MPF. Mantivemos as autoridades sob pressão popular. Mas aí veio a pandemia e a Braskem se organizou distribuindo fartas verbas publicitárias para todos os veículos de comunicação e desmobilizando lideranças dos bairros.

Quem ousou publicar denúncias, como a Tribuna e o 082 Notícias, perdeu verba.

Durante a pandemia gravamos lives e conseguimos diversas vitórias, embora tímidas, para equilibrar a luta contra os tentáculos da mineradora Braskem. Participamos de documentários como o do Carlos Pronzato, fomos à Globo News no programa Cidades e Soluções num confronto direto com um dos Diretores de Marketing e Sustentabilidade da Braskem.

Conseguimos melhorar vários pontos do acordo, acrescentar direitos no processo de negociação com a Braskem, como indenização de Ponto Comercial, Lucro Cessante, indenização trabalhista, mas fomos sendo isolados pelas autoridades dos três poderes e pela mídia. JHC foi um exemplo de autoridade que se juntou às vítimas para se eleger e depois sumiu.

Com o fenômeno da apatia das vítimas e da ignorância dos seus direitos, ou a ausência do exercício da cidadania – a sociedade civil e as próprias pessoas que sofreram violência da Braskem ficaram inertes ou reagiram de modo desproporcional ao tamanho da tragédia que se acometeu sobre elas próprias.

Com raras exceções, a exemplo do Muvb sob a liderança de Neirivane, Cássio e Maurício; e da Associação dos Empreendedores no bairro do Pinheiro, presidida por Alexandre Sampaio, quase todos ficaram pelo caminho ou até mesmo viraram a casaca. Acredito que a falta de educação civilizatória, projeto de poder das grandes corporações, é responsável por isso.

Imagem de Santo Antônio percorreu ruas do bairro na sua última missa | Instagram/MUVB

082: Em termos sociais e afetivos, quais as maiores perdas para a sociedade? E em termos históricos e culturais?

Alexandre Sampaio: O que é um bairro? Como se forma uma comunidade durante várias décadas? Quantos arranjos sociais, familiares, culturais, de cuidado com a vizinhança, comércio e serviços constituem a trama social de um lugar cheio de vida, amigos, que se juntam cotidianamente em manifestações de fé, cultura e trocas de bens e serviços, que também fazem parte do senso de pertencimento a um lugar? Quantas paqueras, casamentos, famílias se constituíram e criaram seus filhos nessas ruas, casas, igrejas, praças e comércios? Tudo isso foi destruído em poucos anos, sem nenhuma justiça, sem nenhuma participação efetiva das vítimas, num processo tão destruidor quanto a própria tragédia anunciada. Se tivéssemos autoridades sérias e cidadãos civilizados, isso não estaria assim.

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