segunda-feira 13 de maio de 2024

Re(vi)vendo Antonio Paurilio

Viver de música é tarefa inglória agora e sempre, menos para uma minoria de sortudos e felizardos que faz música massificada

28 de junho de 2023 10:37 por Da Redação

 

 

Antonio Paurilio

 

(*) Marcos de Farias Costa é  cantor, compositor e comentarista de música popular.

Ao pesquisador Claudevan Melo

O compositor e pianista Antonio Hugo da Silva, vale dizer Antonio Paurilio, como se tornou conhecido nos meios musicais e artísticos, nasceu em Maceió, na rua da Alegria (atual Joaquim Távora), a 29 de abril de 1906, e morreu no dia 20 de setembro de 1972, exatamente às 18h30min, segundo sucinto atestado de óbito expedido pelo doutor de plantão da clínica PRONTATEMD. O laudo médico foi rápido e ríspido no registro da causa mortis: falência cardiorrespiratória. De muito o coração do compositor pulsava convulsamente, em tom menor.

Contava sessenta e seis anos completos, e como as coincidências pareciam persegui-lo, veio a falecer justamente no dia dos radialistas – ele que viveu para o rádio, com paixão obsessiva, um senso de profissionalismo visceral, homem-artista, virtuoso do teclado, boêmio impenitente, nascido para o palco e os aplausos do público.

Os Paurílios traziam a música no próprio sangue, um caso genético em que a vocação melódica corria nos cromossomos. Reza um aforismo vienense que “O céu está cheio de violinos”. A expressão se encaixa como uma luva nesta família classe média que cresce e se desenvolve no tremeluzir do sonolento século XX. Na casa dos Paurílios o menos abençoado para a música certamente “arranhava” um instrumento, seja o bandolim, o piano ou o violão.

Seu pai, Hipólito Paurilio da Silva (donde o compositor extraiu o sobrenome sonoro) passava por cidadão culto e homem de sete instrumentos. Afora a habilidade surpreendente com o violoncelo, ainda era arrendatário do cinema Odeon (depois torna-se dono do cine Floriano). Executava seu instrumento nas salas de espera dos cinemas mudos da época, até nos intervalos das fitas, conciliando tais atividades com a não menos laboriosa de despachante federal na Alfândega. Sua mãe, Antonia Malheiros da Silva, ocupava-se da economia doméstica, mantendo a orquestra no diapasão: afinada e em equilíbrio. Família comprida (ao todo 14 membros) outro irmão ainda se sobressairia de forma espetacular: Carlos Paurilio, notável ficcionista e poeta que aderiu ao Modernismo, ao lado de Jorge de Lima, Aloísio Branco e outros empolgados com a “revolução modernista” da literatura, detonada na Europa.

Carlo Paurilio era amigo pessoal do poeta Jorge Cooper e não posso esquecer a sua irmã Dona Olga Paurilio, que eu conheci e que lecionava piano nas residências, assim como eu conheci e observava timidamente Antonio Paurilio, comprador contumaz de revistas e jornais na tradicional Banca do Jesivan, situada na Praça do Montepio dos Artistas.

Da esquerda para direita, dr. Raimundo Campos, cantora Dóris Monteiro, violonista Mirandinha, empresário da cantora, pianista Antônio Paurílio e o pianista e multinstrumentista Nélson Almeida. Fonte: www.historiadealagoas.com.br

Luta Amarga 

Antonio Paurilio nasceu compositor popular. Como músico é inegável o seu imenso talento, o que pode se corroborar pela singularidade com que se destacava em qualquer instrumento do vasto naipe de cordas: violão, violino, bandolim, etc. Naturalmente nenhum deles esconderia seus segredos, desde que ele se exercitasse. Vê-se que Paurilio, ao tempo que aprofunda os seus conhecimentos musicais de harmonia, instrumentação e técnica de composição, aplica-se nos estudos escolares, assíduo às aulas do severo e sisudo professor Higino Bello, diretor do Colégio 11 de Janeiro, que exigia dos alunos a lição na ponta da língua ou a terrível férula se fazia pronunciar sem parcimônia.

Driblando a austeridade docente e ouvindo música pelos cinemas, teatros (no Deodoro apresentam-se Bidu Sayão, Lucila Peres, Ítala Fausta, etc), festas carnavalescas em Bebedouro, sob as ordens do Major Bonifácio e as rádios do sul do país, Paurilio vai construindo seu “ouvido”, lapidando seu gosto e sua capacidade criadora.

Precisava agarrar o destino pela goela, com a garra e tenacidade que marcam os autênticos talentos. Conta sua esposa Alice, ainda viva e lúcida (na época em que fiz estas anotações, em 1989), de quem me vali para traçar estas notas, que Paurilio era um espírito indômito, a frente de seu tempo. Diz ela, com trêmula ternura: “Eu achava ele descomunal; eu achava que ele não era dessa época. Ele era impenetrável”. Julgamento justo. Sob “La coupole”, um homem lutava para inscrever sua vida e sua obra nos umbrais do tempo.

Viver de música é tarefa inglória agora e sempre, menos para uma minoria de sortudos e felizardos que faz música massificada. Principalmente nas províncias, longe de tudo e de todos. Sociedade alguma nutre reconhecimento pelo artista, que lhe serve apenas de diversão efêmera. Avaliem a situação social do compositor popular nos remotos anos 20, quando Antonio Paurilio começa a compor, pois – presumivelmente – é dessa década a sua primeira música impressa em partitura, o foxtrote “Amor de Rei”, que traz na pauta original o título em inglês, “Love of King”, com anotação bastante curiosa no frontispício: Op. 1º, editada pelos irmãos Vitale, em São Paulo. Traz a datação de 1928 bem legível: é o ano de sucesso absoluto no carnaval carioca de uma embolada de nome estranho – “Pinião” –, cantada por Augusto Calheiros, cantor alagoano, feita em parceria com o pernambucano Luperce Miranda, exímio bandolinista.

Quando a matriz intelectual era francesa (apesar do barulho dos meninos modernistas) Antonio Paurilio irrompe, pioneiramente, a favor da matriz inglesa, e ainda estávamos distantes da Segunda Guerra, que transportaria a nefasta influência ianque, o intragável “american way of life”.

Neste ano de 1928 – atentem! – Inexistia, na capital alagoana, emissoras de rádio, violão era caso de polícia e compositor popular passava por marginal. Televisão nem em delírio futurista. Restava ao músico tocar nos cinemas, já que o mundano Teatro Deodoro (não mudou muito), inaugurado em 1910, reservava suas “pautas” aos artistas e companhias renomadas que viessem de fora.

Com o advento do cinema falado (estréia em Maceió em 1931, no cine Floriano, com a fita americana “Broadway Melody”) extingue-se o derradeiro reduto do músico alagoano. Some o minguado espaço cultural conquistado com unhas e dentes. Tal lacuna só será devidamente preenchida duas décadas depois, com a inauguração da Rádio Difusora, a enfática ZYO-4, durante o governo de Silvestre Péricles, em 16 de setembro de 1948.

Formação do Conjunto Horizonte da Rádio Difusora de Alagoas em 1958. Em pé estão Antônio Paurilio, piano; Bié, contra-baixo; Mário Costa, baterista; Ascendino Santos, maracás; Cláudio Xavier, sanfona; Bráulio, piston e Juracy Alves no violão. Fonte www.historiadealagoas.com.br

Época de Ouro 

Surge a “época de ouro” da rádio alagoana, com programas ao vivo e de auditório, novelas radiofônicas e um poderoso “cast” que nada ficava a dever às emissoras de fora. Neste então, em sua primeira fase, luziram as estrelas solitárias de Antonio Paurilio, Zezé de Almeida, Reinaldo Costa, Juvenal Lopes, Setton Neto, Marilene Silva, Aldemar Paiva, Haroldo Miranda, Ibernon Tenório, Walter Souza, etc.

Em 1929 – ano em que Getúlio Vargas deflagra a campanha eleitoral da Aliança Liberal, Mário de Andrade publica seu “Compêndio de História da Música” e ocorre o imprevisível Crash da Bolsa de Valores de New York — Paurilio casa-se com Alice. Vão viver a “Lua de Mel”, título aliás de um fox-blue de sua autoria, composto provavelmente em 1927, se levarmos em conta algumas indicações e pistas. Passa a constituir família com o saldo de seis filhas. Tempos duros. Ou o artista migrava ou trocava de profissão. Urgia correr mundo, ir à luta numa cidade maior que permitisse sonhos maiúsculos.

O jornalista e comunicador Claudio de Alencar, em artigo vazado na Gazeta de Alagoas, em 24 de setembro de 1972, à página seis, assim se refere: “ Em 1938, a convite de Oscar Moreira Pinto, Paurilio deixava Alagoas para ingressar na PRA-8 – Rádio Clube de Pernambuco”. Recife contava com intensa vida profissional e boêmia suficientemente sofisticada para entusiasmar o poeta Paurilio. Sua ansiedade seria saciada.

Em Recife ele compões a música que seria a sua obra-prima e “piéce de resistence”, o bolero”Ansiedade”, que faz parte de todo repertório romântico que se preze, mas não foi a sua única música gravada em disco, como eu e muitos presumíamos: felizmente fui informado pelo colecionador e pesquisador Claudevan de outros registros sonoros do compositor Antônio Paurílio. A verdade não sobrevive sem documentos.

Segundo, ainda, o supracitado artigo, Paurilio conseguiu se estabelecer em Recife: “Onde, durante 13 anos, até 1951, alcançou uma aura de realização profissional”. Morava numa simpática casa, em Olinda, na rua do Sol, compunha febrilmente, criava novos arranjos, lecionava piano e cumpria suas obrigações profissionais na PRA-8.

Nascem suas filhas pernambucanas. O artista sente o resultado de seus esforços darem certo. Mas o que é bom dura pouco. Paurilio resolve mudar de prefixo, trocando a PRA-8 pela Rádio Tamandaré, recém-surgida. Tal troca não lhe traz benefícios. Logo depois as duas emissoras se fundem e premida por grave crise financeira adota medidas drásticas: a direção ordena “corte” de pessoal, redundando na demissão de Paurilio.

Ainda permanece em Recife e inicia uma série de excursões pelo Nordeste, a convite do amigo pessoal, o insuperável intérprete Orlando Silva – o Cantor das Multidões. Num passado recente, acompanhara os grandes ídolos da MPB, Francisco Alves e Dalva de Oliveira; acompanhou mesmo, em seu piano alemão, a grande dama do tango portenho: Libertad Lamarque. Mas os tempos mudaram. Hora de voltar pra Maceió.

Paurilio gravou, além de “Ansiedade”, mais duas músicas, fato consumado, pesquisando o acervo do estudioso Claudevan Melo, mas a sua produção musical – garantem os amigos e pesquisadores – é relativamente extensa. Uns mais afoitos e exagerados, falam até em “500 ou 600 músicas”, o que nos parece uma falsa ênfase, um arrazoado irreal. Sua esposa Alice, mais realista e menos dada a arroubos gratuitos, calcula entre “50 a 100 composições”, o que me parece mais próximo da verdade.

Fato é que uma discussão desta natureza se torna totalmente ociosa, pois falta-nos subsídios discográficos ou apoio documental que autorizem um levantamento deste acervo musicológico, exceto que se descubram novas fontes informativas; que se encontrem outras partituras ou dados inéditos. Parece que passou um furacão dissolvendo tudo que se relacione com a biografia de Antonio Paurilio. Muitos dos que privaram de sua amizade evitam – até por razões afetivas — jogar mais lenha na fogueira da memória.

Gravações de Antonio Paurilio 

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Visitando o valioso acervo do pesquisador Claudevan Melo evitei o erro factual, cometido por muitos estudiosos, ao julgarem que Antônio Paurílio gravou apenas o bolero “Ansiedade”, em setembro de 1952, na voz coloquial e intimista do cantor gaúcho Alcides Gerardi (1918-1978), selo Odeon, 78 RPB, lado “A”, de número 13.318. Um sucesso nacional tocado em todas emissoras do Brasil e regravado pela grande diva da voz alagoana, Leureny Barbosa (LP, 1985), em possante interpretação. Mas esta não foi, de modo algum, a única e exclusiva gravação do Paurílio, e talvez existam outras obras que ignoramos até agora. Nem a sua esposa Alice conhecia estas outras duas gravações, que apresentaremos em seguida.

Além do bolero “Ansiedade” Antônio Paurílio teve mais duas músicas registradas no bolachão de cera, informação que obtive em contato com o acervo do pesquisador Claudevan Melo.

Odete Caú (ou Cahu), cantora pernambucana, gravou o samba-canção “Mentiras de amor”, com letra de Severino Barbosa, selo Repertório, Rio de Janeiro, n. 9.032-A. A outra gravação em disco de Paurílio deve-se ao cantor Joaquim Gonçalves, pela Mocambo, n. 9.032-A e foi o samba “Tua boca”, em parceria com o maestro Nelson Ferreira, uma nobre parceria.

Já a revista do Rádio n. 36, de 16/5/1950, estampou uma matéria de Aldemar Paiva, diretor-artístico da ZY0-4, a Caçula do Nordeste, comentando que o cantor Orlando Silva “realizou exitosa temporada na Rádio Difusora de Alagoas, e se apresentou acompanhado por dois elementos da orquestra sinfônica de Pernambuco, juntamente com o pianista Antônio Paurilio”.

Homenagens Inusitadas 

Fugindo a regra geral das províncias que não respeitam os seus artistas de maneira adequada, existe uma praça Maestro Antônio Paurílio em Ponta Grossa, subúrbio de Maceió, caso raro de reconhecimento do valor de nossos músicos populares. O mesmo Claudevan Melo alerta-me que o compositor Juvenal Lopes também ganhou nome de rua, no bairro de Antares, situado à margem da via expressa, outro caso raríssimo de lucidez da prefeitura de Maceió.

De inesgotável valia ao nosso texto foi a colaboração eficaz e expressiva da pianista, rádioatriz e intérprete Zezé de Almeida. Sem ela não poderíamos engatinhar na precária “Miniantologia de Antonio Paurilio”, que deverá crescer à medida em que devotemos novas investigações e pesquisas.

De uma velha caderneta de canções, conseguimos anotar dezoito músicas de Paurilio que desconhecíamos. Zezé de Almeida, sem egoísmo ou sentimento de posse, passou-nos informações preciosas, que reimplantamos nestas notas. É uma amostra mixuruca, porém provisória, pois continuaremos com a colheita de dados, e um dia, quem sabe?, possamos chegar ao resgate daquelas “50 ou 100 músicas? ”

Para tal, faz-se mister a colaboração desinteressada de amigos e contemporâneos: um título de música ou trechos de letras lembrados, serão valiosos para a pesquisa.

Sabe-se que um catastrófico temporal que se abateu em Maceió, em 1969, atingiu a residência do compositor (que morava na rua Francisco de Meneses, na Cambona) levando na enxurrada toda a paciente documentação que Paurilio acumulara durante décadas: partituras, revistas, recortes de jornais, discos, fotografias, anotações, etc.

Até as cartas de amor que trocara na juventude – informa-nos Alice – foram destruídas pelas chuvas possessas. O que restou (muito pouco) foram lembranças turvas, ou informações nem sempre confiáveis, que servem apenas para comover a memória dos saudosistas e passadistas.

ANSIEDADE

Letra e música de Antonio Paurilio:

És pra mim
A mesma que ainda amei e amo
Porque te quero como louco
Numa ansiedade louca sem fim.
Sei que é tarde
Tarde demais, pois longe estás de mim
E hoje só resta saudade
Entre nós dois e o nosso amor sem fim

Meus dias hoje são iguais
As minhas noites não terminam
Horas, minutos passam tão banais
Que me entristece, alucinam.
Se durmo vejo tua imagem
Teu rosto lindo que eu vejo
Mas se acordo é uma miragem
Desfeita pra meus desejos.

Sei que voltarás quando souberes
E eu serei quando souberes
E eu serei quando quiseres
Escravo do teu amor.
Ansiedade que é tormento,
Ansiedade, sofrimento,
Desejo intenso, ânsia louca,
E beijos em tua boca.

Eis acima, e na íntegra, a letra de “Ansiedade”, sendo que Alcides Gerardi gravou apenas as duas últimas estrofes, sem o prólogo, ou a primeira parte. Apenas o cantor e seresteiro Marcus Vinicius registrou o bolero de forma integral, gravação que circula em fitas precárias, entre boêmios e colecionadores de raridades musicais.

Maceió nas Décadas de 20/30

O historiador Moacyr Medeiros de Sant’Ana, em seu bem documentado “História Do Modernismo Em Alagoas”, em rápidas pinceladas, traça a evolução e desdobramento da vida musical de Maceió nos idos de 20 e 30. Moacir recapitula e resgata essas origens esquecidas de nossa música popular a partir de um livro raro escrito por um carioca que se radicou aqui em Maceió, por volta 1919. Seu nome: Sales. E. Cunha. Seu livro: Aspectos do folclore de Alagoas (Rio de Janeiro, Ed. Spiker, 1956). De posse desses dados poderemos compreender melhor as atividades de artistas populares (e eruditos) naquelas décadas.

Aqui no Teatro Deodoro se apresentaram Hekel Tavares e outros compositores e artistas célebres. Criavam-se diversos conjuntos, como o “Flor do Abacate”, calcado no título de famosa polca do instrumentista e compositor carioca Álvaro Sandim. Surgem os compositores Jararaca, Augusto Calheiros e Fon Fon. Em 1910, no Teatro Deodoro, pela primeira vez é dado conhecer ao público alagoano a malícia e o deboche sensual do maxixe, essa “dança excomungada”, pela dupla João de Deus e Esther Bergerat. Em 1918 tivemos entre nós o famoso dançarino e revistógrafo baiano Duque (1884-1953), que elaborou coreografias exóticas, mas brasileiríssimas, principalmente para o ritmo do maxixe, abrindo escolas de danças e se apresentando em Londres, New York, etc e etc. Ao lado de sua partenaire Gaby esteve em Maceió, e os jornais registraram o evento com letras garrafais. Duque e Gaby apresentaram-se no palco do cine Delícia. Neste rápido bosquejo damos uma ideia da agitação cultural de Maceió, quem quiser saber mais consulte a bibliografia. Neste pano de fundo histórico cristaliza-se o nome do artista Antonio Paurilio, recebendo tremenda carga de informação musical.

É notório e público que Alcides Gerardi gravou apenas “Ansiedade”. Juvenal Lopes, em conversa amistosa com o cantor gaúcho, no Bar do Tino (já extinto) quis saber do motivo. Arrancou resposta lacônica de Gerardi: “Paurilio já não me procura mais”. Juvenal atribui esse afastamento das lides musicais por um ressentimento desiludido com o ambiente artístico daqui. Não esqueçamos que sua esposa Alice sempre frisa, com fria melancolia na voz: “artista sofre muito e quem acompanha artista sofre mais ainda”.

Festivais & Chateações 

Juvenal Lopes lembra bem a história da Rádio ZYO – 4., pois conhece multidões de “causos”, éditos ou inéditos: é uma enciclopédia viva.

Nos informa, por exemplo, que Paurilio foi excelente compositor de marchinhas carnavalescas, e não apenas de fox, beguines, valsas e boleros. Marchinhas que foram, em grande parte, defendidas em concurso e festivais, pelo próprio Juvenal, dono, aliás, de voz melodiosa, de timbre seresteiro – com um grave exclusivo.

Para Juvenal, Paurilio se abria, e contava “estar desiludido com concursos carnavalescos”, arrematando amargurado que “nunca deu sorte”.

A primeira marcha carnavalesca de Paurilio cantada por Juvenal, em concursos intitulou-se “A Vizinha”, sendo inscrita no Festival De Músicas Carnavalescas De Autores Alagoanos, em 1955. “Não deu sorte e não foi classificada”, recorda Juvenal. Transcrevemos o fato para dissolver o mito das gerações desmemoriadas que pensam que os festivais foram inventados pelos jovens universitários dos anos de chumbo. Que fique em letra de forma que o Festival acima aludido deve sua idealização a J. Prezado e Silva Almeida, com duração de 11 anos: de 1950 a 1961.

Outros festivais iriam irritar Paurilio amargamente. No “Concurso da canção de Maceió” (“não me deixaram participar deste concurso”, diz com ironia Juvenal: “pois o andamento era binário…”), ocorreu um episódio pitoresco que merece registro. Entre os concorrentes, a invariável dupla Mário & Prof. Odilon. O concurso ocorreu no Teatro Deodoro, em meados 1966. De repente. O prof. Odilon grita a plenos pulmões: “Essa já ganhamos! ” Paurilio sentado na mesma fila com Juvenal, também participando do certame, não se conteve. Exasperou-se. Apertou nas mãos ossudas o jornal, amassando-o. Sangue quente lhe subiu às têmporas. Rilhava os dentes. Juvenal, nervoso, pede calma ao maestro, que esqueça o incidente e provocação polêmica. Mas Paurilio sentiu-se injustiçado pouco propenso a deixar o ocorrido transcorrer em brancas nuvens. Ergue-se de supetão, agastado, e brandindo o jornal e encarando o adversário, proclama em altos brados: “Viva a vitória deles! ”. Na finalíssima não deu outra: classifica-se a dupla Mário/Odilon. Desiludido e revoltado saem Paurilio e Juvenal rumo ao Bar do Lero, nas imediações do velho mercado público, a fim de serenar os ânimos com umas cervejas geladas. Afinal, festivais são mesmo assim, uma guerra de nervos para os que têm nervos de aço.

Bom advertir que o prévio grito de “vitória”, esgoelado pelo prof. Odilon, ecoou “antes da comissão julgar as músicas”, finaliza outro injustiçado e grande compositor alagoano: Juvenal Lopes.

 

Miniantologia de Antonio Paurilio:

 

1. Amor de Rei “Love of King” (foxtrote, 1928?)
2. Coração que espera (marcha)
3. Lua de mel (fox-blue 1937?)
4. Não creio (samba-canção)
5. Olga (valsa)
6. Manuela, (polca ou valsa)
7. Seus olhos (canção)
8. Noturno (canção)
9. Brisa da noite (samba-canção)
10. Humilhação (samba-canção)
11. Valsinha (valsa)
12. Um piano, uma canção e nós dois (canção)
13. Loucura (samba-canção)
14. Sozinha (bolero)
15. Só não tenho você (bolero)
16. Quero você (bolero-béguin)
17. Boca sem jeito (samba-canção)
18. A vizinha (marcha)
19. Ansiedade (bolero, setembro de 1952, gravação de Alcides Gerardi; Regravação por Leureny Barbosa, em LP, 1985)
20. Tua boca (Samba, Nelson Ferreira-Antônio Paurílio,1961, selo Mocambo, catálogo: 15.459-A, gravada por Joaquim Gonçalves, 78 RPM, )
21. Mentiras de amor (samba-canção de Antônio Paurílio, com letra de Severino Barbosa, gravada por Odete Caú, pela Repertório, N. 9.032-A, 1956).

Frases de amigos e admiradores:

“Numa terra como Maceió, a maior ansiedade de Antônio Paurilio foi o fato de ter gravado apenas ““Ansiedade”. (Marcondes Costa.)

“Paurilio para mim foi um dos bons compositores deste país, dando como exemplo “Ansiedade”, mas ele deixou também muita coisa bonita que não foi gravada”. (Juvenal Lopes.)

Paurilio fez de “Ansiedade” uma de suas mais belas músicas: seu hino de vitória. Uma vitória justa e constante. ” (Eduardo Cebolinha).

Referências bibliográficas:

SANT’ANA, Moacir Medeiros. História Do Modernismo Em Alagoas (1922-1932). Maceió, Edufal, 1980. (Cf. Quarta Parte: “De Regionalismo e de Nacionalismo”, PP. 155-199).

DIFUSORA – 40 ANOS. Coleção comunicação Popular. Maceió, Sergasa, 1988.

FILMES E CINEMAS – Folhetim nº 52, editado pela Funted, s/d. Texto de Júlio Normande.

CARNAVAIS ADORMECIDOS – Folhetim nº 46, editado pela Funted, s/d. Texto de Luís Veras.

MIRANDA, Haroldo. Meu velho piano triste. Gazeta de Alagoas, 22 de setembro de 1972, 1º caderno, pag. 4.

ALENCAR, Claudio. Antonio Paurilio. Gazeta de Alagoas, 24 de setembro de 1972, pág. 6.

COSTA, Marcos de Farias Costa. Juvenal Lopes: o comandante do samba. Maceió: IDEÁRIO, 2007.

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