sexta-feira 3 de maio de 2024

Petrobras pode salvar Braskem de processos milionários por tragédia em Maceió

Estatal tem preferência para adquirir a empresa da família Odebrecht responsável por destruir cinco bairros da cidade, afetando 55 mil alagoanos
Braskem causou afundamento de terras em Pinheiro e quatro outros bairros de Maceió | Jonathan Lins/Folhapress

Por André Uzêda, do The Intercept Brasil

Caso a Petrobras exerça sua prioridade de sócia e compre a petroquímica Braskem, todos os processos judiciais e indenizações pela destruição em Maceió serão herdados pela estatal. Desde 2018, cinco bairros da capital alagoana sofreram com um tremor de terras, que afetou pelo menos 55 mil pessoas. O Serviço Geológico do Brasil apontou a Braskem como responsável pelo afundamento de terra, após anos de extração do sal-gema.

Fundada em 2002 e líder na América Latina na produção de plástico, a Braskem pertence ao grupo Novonor – antiga Odebrecht, que mudou de nome após ser tragada pela operação Lava Jato. Imersa em dívidas com bancos públicos e privados, a Novonor tenta vender a petroquímica desde 2021, como parte das ações para quitar os R$ 15 bilhões de seu processo de recuperação judicial, o maior da história do país.

Desde a fundação da Braskem, a Novonor é sócia majoritária da petroquímica e detém hoje 38,32% das ações. A Petrobras possui 36,15% – o que lhe garante a preferência para efetuar a compra. Os outros 25,6% são divididos entre outros acionistas com baixo poder de voto no conselho da empresa.

Em outubro deste ano, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, não descartou a possibilidade de adquirir a Braskem. “A Petrobras, em princípio, interessa-se em manter sua posição. Se vai incrementar sua participação dependendo do sócio que for escolhido, ou se vai exercer o direito de preferência de comprar o restante, quem vai dizer é o próprio processo”, afirmou.

Também em outubro, o Intercept foi convidado pela estatal para participar de uma entrevista coletiva com Prates, na sede da empresa, no Rio de Janeiro, em comemoração aos 70 anos de fundação da Petrobras. Na ocasião, perguntei ao presidente como a compra da Braskem seria tratada à luz das indenizações que ainda não foram pagas, sabendo que a Petrobras assumiria as dívidas em aberto e os processos nacionais e internacionais sobre o caso.

“A gente está encarando isso como parte do pacote Braskem. O incidente terrível, essa questão descomunal do afundamento dos bairros em Maceió, é óbvio que está no radar. Estamos acompanhando as indenizações, parte do que foi feito e parte do que está programado. A questão da venda nesse momento é importante justamente para solucionar esse processo. Porque quem vier com o ímpeto de investir na Braskem, seja um novo sócio ou mesmo nós [Petrobras], mesmo temporariamente, contribuirá para agilizar esse processo”, disse.

Perguntei a Prates se, ao assumir as indenizações, a Petrobras estaria empregando recursos públicos para salvar a Novonor. Ele negou. “Nós não vamos ter que necessariamente colocar dinheiro público nesse processo. Já estamos com uma produção importante lá [na Braskem]como Petrobras. Mas é preciso ver especificamente como o negócio Braskem como um todo evolui para que esse passivo lamentável seja estudado como paradigma, mas sobretudo que as pessoas sejam contempladas com aquilo que merecem e precisam receber, além do estado e do município também”, disse.

Em suas respostas, Prates ainda elogiou o diferencial competitivo da Braskem no mercado internacional – “uma tremenda empresa, com ativos no Brasil, no México, nos Estados Unidos e na Alemanha” – e indicou que, uma vez realizada a compra pela Petrobras, não deve reabrir a exploração do sal-gema em Maceió, paralisada desde 2019.

“Não conheço os detalhes técnicos, então não vou dizer que ali a gente não vai mais explorar, porque a gente não tem essa decisão. Mas provavelmente há opções em relação a isso. Lá, já existem traumas suficientes para considerar”, afirmou.

Sal-gema foi retirado debaixo de Maceió por 40 anos

Em 3 de março de 2018, o centro de Maceió tremeu por 12 segundos. Foi registrado um abalo sísmico de 2,5 graus na escala Richter no bairro do Pinheiro. Em fevereiro daquele mesmo ano, já haviam surgido enormes rachaduras em diversas casas do mesmo bairro, mas se atribuiu o fato ao forte temporal que havia desabado sobre a cidade dias antes.

Nos meses seguintes, foram aparecendo mais rachaduras nas casas e crateras em outras ruas de Maceió, obrigando a Defesa Civil a elaborar um plano de evacuação dos moradores. Em março de 2019, a prefeitura decretou estado de calamidade nas áreas de risco.

Além do Pinheiro, mais quatro bairros foram diretamente afetados pelo afundamento de terra: Bebedouro, Mutange, Farol e Bom Parto. No total, estima-se que 55 mil pessoas precisaram deixar suas casas e estabelecimentos comerciais. Em maio de 2019, após intensa pesquisa, o Serviço Geológico do Brasil concluiu que os problemas em Maceió estavam sendo causados pela duradoura extração de sal-gema nas jazidas subterrâneas.

A exploração começou em 1970, durante a ditadura militar, quando o presidente Médici liberou a extração em áreas subterrâneas de Maceió. A reserva, estimada em 3 bilhões de toneladas, foi descoberta em 1943, quando se buscava poços de petróleo na região.

Foi, então, criada a empresa Salgema – que, de forma sistemática, iniciou a extração da substância de mesmo nome, a partir de 1976. Vinte anos depois, com a mudança da administração da empresa, ela passou a se chamar Trikem. Em 2002, a Trikem se fundiu à Copene, OPP, Proppet, Nitrocarbono e Polialden e foi criada a Braskem, que passou a operar as reservas subterrâneas da capital alagoana. Segundo consta no próprio site da empresa, durante todo esse período, foram perfurados 35 poços de sal-gema.

Depois do tremor, a Braskem chegou a entrar na justiça contestando o laudo produzido pelo Serviço Geológico do Brasil. Depois, mesmo sem reconhecer oficialmente a relação entre a retirada de sal-gema e os abalos sísmicos, anunciou o fim da exploração das jazidas.

Outra medida adotada pela empresa, após acordo firmado com o Ministério Público Federal de Alagoas e as Defensorias Públicas do Estado e da União, foi dar a alternativa do pagamento de um valor pré-fixado de R$ 81,5 mil para os moradores dos bairros afetados. O depósito seria direto, sem parcelas ou avaliação dos danos provocados. No entanto, exigia-se a assinatura de um acordo no qual os moradores não poderiam ingressar na justiça após o pagamento.

Os moradores do bairro do Mutange foram uns dos primeiros a serem indenizados e conseguiram valores maiores do que o proposto pelo acordo inicial. “Aqui a média girou em torno de R$ 300 mil a R$ 350 mil por imóvel”, me disse Arnaldo Manoel dos Santos, presidente da associação de moradores do bairro.

Ele se queixou, no entanto, do valor pago pelos danos morais, fixado em R$ 40 mil por família.”É um valor muito abaixo da destruição causada em nossas vidas. Eu construí uma casa para viver até o fim da minha vida, perto de tudo e que fosse confortável para minha velhice. Hoje, moro em um lugar distante de tudo, com uma acessibilidade complicada. Isso é um dano moral que não foi coberto”, pontuou.

Mesmo recebendo a indenização, a associação do bairro do Bebedouro ignorou a cláusula de não ingressar na justiça. As queixas são pelo baixo valor pago por danos morais e por áreas que não foram consideradas de risco: as ruas do Flexal de Cima e o Flexal de Baixo.

“A Braskem considerou que essas áreas não têm risco de desabar, embora elas tenham ficado isoladas de todo o resto e isso traga muito sofrimento. O valor pago por morador no Flexal foi de R$ 25 mil. Se a pessoa tivesse um comércio, eram acrescidos mais R$ 5 mil. É pouco. Teve gente que aceitou para não ficar sem nada, mas não dá para não ir à justiça e exigir o mínimo de direito”, argumentou Augusto Cícero, presidente da associação.

Dívidas de processos movidos contra a Braskem pela destruição em Maceió serão absorvidas pela Petrobras, caso compra da empresa ocorra | Jonathan Lins/Folhapress

Braskem ainda não quitou dívidas e responde a processo internacional

Em outros bairros da cidade, ainda falta muito para quitar todas as indenizações. No Bom Parto, há uma estimativa da associação do bairro de que apenas 40% dos moradores foram indenizados e realocados. Outros 60% ainda não receberam nada – a maioria deles mora em favelas.

“Quem vive nas favelas nem sequer foi cogitado como vítima dessa tragédia social. E lá a coisa é ainda mais feia. Eles perderam casas, empregos e toda uma condição de vida que já era precária. Tudo ficou ainda pior, pois eles ainda estão abandonados pelo poder público e a empresa não os coloca como prejudicados”, criticou ao Intercept Fernando Lima, presidente da associação do Bom Parto.

Além de ser morador do bairro, Lima tinha uma empresa de instalação de internet, que ficou inviabilizada após o afundamento da terra. Atualmente, ele e mais outras oito pessoas movem uma ação coletiva contra a Braskem em Roterdã, na Holanda, onde a empresa mantém um escritório para negócios na Europa.

O caso foi aceito pela justiça holandesa e tramita desde 2020. O valor da indenização, caso a Braskem seja condenada, só será estabelecido ao fim do processo. O escritório que representa os maceioenses é o britânico Pogust Goodhead – o mesmo que pede uma indenização de R$ 230 bilhões pelo desastre em Mariana.

“No início, eram 15 pessoas nessa ação, mas eles conseguiram desarticular seis fazendo pagamentos maiores de indenizações. Eu não aceitei oferta nenhuma, pois quero ir até o fim com isso. Escolhemos mover essa ação internacional porque, infelizmente, não vemos a coisa andar na justiça brasileira”, justificou Lima.

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