segunda-feira 20 de maio de 2024

Andréa Beltrão: “Dia 8 de janeiro corremos o risco de voltar a 1964”

No monólogo Lady Tempestade, Andréa Beltrão lê carta de Mércia Albuquerque / foto: Felipe Ovelha

Por Rafael Duarte, do Saiba Mais

A cidadã Andréa Beltrão acorda e vai dormir, todos os dias, pensando e desejando um mundo melhor. É assim que ela responde a uma pergunta sobre o motivo pelo qual considera a ditadura militar um dos temas de sua vida.

A atriz Andréa Beltrão não é muito diferente da cidadã. Dia 4 de janeiro, ela estreou o espetáculo Lady Tempestade, inspirado no livro “Diários de Mércia Albuquerque (1973 – 1974)”, publicado pela Potiguariana, editora independente de Natal (RN) criada em 2021 pelo economista e ativista em Direitos Humanos Roberto Monte.

A figura central do monólogo é a pernambucana Mércia Albuquerque, advogada que defendeu mais de 500 presos políticos no Nordeste durante a ditadura militar, incluindo mais de 100 perseguidos do Rio Grande do Norte.

As cartas de Mércia endereçadas a mães, familiares próximos e amigos de vítimas da ditadura revelam uma mulher humanista e intransigente na defesa da vida e da democracia.

Lady Tempestade, o título do espetáculo, foi pescado do trecho de uma das cartas, na qual Mércia diz que “minha mãe é bonança, eu, não, sou tempestade”.

Dirigido por Yara de Novaes e estrelado por Andréa Beltrão, a peça fica em cartaz no teatro Poeira, no Rio de Janeiro, até 4 de fevereiro. Por enquanto, Lady Tempestade não tem data para correr o país. É que Beltrão começa a gravar em fevereiro a próxima novela da Globo, “No Rancho Fundo”, o que deve durar aproximadamente oito meses. Só depois do fim das gravações é que a atriz retoma a temporada no Rio, São Paulo e no restante do país.

A estreia de Lady Tempestade foi acompanhada in loco pelo editor da Potiguariana Roberto Monte e o time da Pós-TV, que gravou um bate-papo com a equipe do espetáculo e vai disponibilizar em breve no youtube. Convidados ilustres também prestigiaram a primeira noite da peça. Co-fundadadora do teatro Poeira, a atriz Marieta Severo esteve na plateia, assim como a ex-senadora da República Heloisa Helena, amiga de uma das primas de Mércia Albuquerque.

Comitiva de Natal ao lado da diretora Yara de Novaes e da atriz Andréa Beltrão / Foto: Heloisa Helena

Golpe

Lady Tempestade estreou às vésperas do primeiro aniversário da mais recente tentativa de golpe no país em 8 de janeiro de 2023 e no ano em que o Brasil lembra os 60 anos do golpe militar de 1964, período que voltou a ganhar espaço na mídia com a ascensão da extrema-direita em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro.

Nesta entrevista especial à agência SAIBA MAIS, Andréa Beltrão fala sobre o significado do 8 de janeiro, a importância de Mércia Albuquerque e o papel do teatro no debate público sobre o Brasil:

Leia a entrevista na íntegra:

SAIBA MAIS: Andréa, 2024 começa praticamente com o aniversário de 1 ano da tentativa de golpe contra a democracia no país, em 8 de janeiro. Você vê relação das histórias escritas em cartas e narradas pela advogada Mércia Albuquerque, figura central do seu novo espetáculo, com essa data para o Brasil? Porquê ?

Andréa Beltrão: É o passado, o presente e o futuro se misturando, acontecendo outra vez, numa repetição infinita. No dia 8 de janeiro corremos o risco enorme de voltar a 1964.

O que mais te chamou a atenção nas cartas de Mércia sobre os presos políticos que ela defendeu:

O que mais me marcou foram as relações dela com as mães e parentes dos presos políticos.

Como surgiu a ideia de levar para o teatro as histórias narradas por Mércia Albuquerque ? Lady Tempestade é um espetáculo sobre Mércia ou em homenagem a ela ?

Yara de Novaes (diretora do espetáculo) conheceu a história de Mércia durante a realização de um filme sobre o caso de José Carlos da Mata-Machado, um rapaz que foi preso e assassinado, e Mércia foi a advogada que conseguiu a exumação do corpo para que finalmente a família pudesse enterrá-lo.  Lady Tempestade é um espetáculo sobre Mércia, para Mércia, e para todos nós que não queremos repetir as histórias macabras do período da ditadura militar no país.

Andréa Beltrão interpretando a advogada pernambucana Mércia Pernambucana / Foto: Felipe Ovelha

Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, você disse: “agora eu vou encenar um dos temas da minha vida”. Pode explicar o por quê ? Você teve amigos ou familiares perseguidos na ditadura ? De onde vem o fascínio e a curiosidade pelo período de ruptura democrática ?

É um dos temas da minha vida porque acordo e vou dormir pensando e desejando um mundo melhor. PS: não tenho nenhum fascínio pelo período da ditadura militar. Tenho nojo.

Lady Tempestade é um espetáculo para todos nós que não queremos repetir as histórias macabras do período da ditadura militar no país.

Ao contar histórias envolvendo personagens da ditadura brasileira, a literatura, o cinema e o teatro ainda se concentram muito nas figuras masculinas. O filme Marighella, por exemplo, recebeu críticas do movimento feminista pelo registro tímido da atuação, na guerrilha, da comunista Clara Charf. Lady Tempestade ajuda a quebrar um pouco isso ? Alçar uma mulher, nordestina, à condição de protagonista de um espetáculo sobre a ditadura é também uma reação a esse excesso de heróis masculinos ?

Quando decidimos contar a história de Mércia, foi pelo valor dessa mulher, pela sua história imensa e digna. Em momento nenhum pensamos em “reagir” ao excesso de heróis masculinos. As mulheres estão aí para contar as suas histórias. Eu não curto fazer teatro, ou qualquer outra coisa, com uma intenção que não seja verdadeiramente contar a história. O teatro não se presta a fazer propaganda das nossas ideias. É preciso chegar ao coração de quem ouve a história. É com inteligência e sinceridade que o teatro alcança o público. E é preciso ser belo. E afetuoso, sempre.

Eu não curto fazer teatro, ou qualquer outra coisa, com uma intenção que não seja verdadeiramente contar a história. O teatro não se presta a fazer propaganda das nossas ideias. É preciso chegar ao coração de quem ouve a história.

O Brasil é um dos únicos países da América Latina que não fez uma Justiça de Transição da ditadura para a democracia. E o que chamam de anistia, na verdade, na prática instituiu uma espécie de esquecimento por decreto. Você acredita que só esses fatores, especialmente a falta de punição para torturadores e assassinos, ajudam a entender cenas como as de pessoas pedindo a volta da ditadura ou apoiando candidatos que defendem golpes e o fuzilamento de adversários políticos ?

Sim, a impunidade dos que participaram da ditadura militar amplia e concretiza o esquecimento.

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1 Comentário

  • Vamos lançar o livro em Maceió, Diários de Mercia Albuquerque.

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