segunda-feira 29 de abril de 2024

Violência policial: No Brasil, todo ano é 1964. Todo dia é primeiro de abril

Morte de inocentes patrocinadas pelo estado não se encerraram com a redemocratização do país. A violência policial é um elo entre crimes ocorridos há quase 60 anos
Estudantes sendo levados por policiais após protesto durante os anos de repressão da Ditadura Militar. Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional

Por Orlando Calheiros, do The Intercept Brasil 

Começo esse texto com duas histórias.

Na primeira delas, estudantes secundaristas protestam por melhorias nas instalações insalubres de um restaurante estudantil, quando o local é subitamente invadido por policiais militares armados com cassetetes, pistolas e submetralhadoras.

Um aparato totalmente desnecessário, pois os jovens estavam indefesos, tinham a sua disposição apenas alguns talheres, pratos e um punhado de comida estragada. Os policiais sabem disso e, mesmo assim, avançam para cima dos estudantes, agredindo-os.

Tiros são ouvidos e agora seis estudantes estão no chão. Ensanguentados.

Um deles não apresenta qualquer reação. Está morto! Seus companheiros, desesperados, formam um cordão de isolamento ao seu redor para impedir que os policiais desapareçam com o seu corpo. O jovem assassinado é carregado nos braços dos estudantes pelas ruas da cidade até a Santa Casa de Misericórdia.

Mais tarde, os policiais alegam que o secundarista morreu em confronto com agentes da lei, Relatos de testemunhas contradizem essa versão e o laudo pericial aponta que o jovem foi executado com um tiro à queima-roupa. Execução!

Estudantes protestam contra o assassinato de Edson Lima, em 1968, durante a Ditadura Militar. Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional

Na segunda história, os moradores de uma favela, em sua maioria jovens e crianças, protestam contra os sucessivos episódios de violência policial na região. Policiais militares estão no local. A turbamulta revoltosa está diretamente sob a mira de seus fuzis. Os moradores estão desarmados, os policiais sabem e isso não importa.

A população encara os fuzis e ofendem os policiais que os ameaçam. A tensão aumenta e, então, tiros são ouvidos!

Um soldado da polícia militar dispara repetidas vezes contra os moradores. Alguns correm, outros se escondem. Os brados coletivos dão lugar a um grito solitário. Um jovem corre implorando por ajuda. Corre por alguns poucos metros e cai.

Uma poça de sangue se forma entre o seu corpo e o asfalto. Há um ferimento enorme em suas costas. É um tiro de fuzil. Alguns moradores correm para ajudá-lo, enquanto outros, indignados, avançam contra os policiais, agora com pedras e garrafas.

O jovem é carregado nos braços dos próprios moradores até o hospital mais próximo, mas não resiste aos ferimentos. É um tiro de fuzil.

O jovem assassinado retornava da casa de sua avó, nem do protesto ele participava.Naquele mesmo dia, a polícia militar divulga que todos os disparos foram realizados em uma troca de tiros com criminosos e que o jovem morto tinha envolvimento com o crime organizado. A versão dos policiais foi imediatamente desmontada por testemunhas e posteriormente pela perícia.

Essas são as duas histórias. Ambas são reais. Ambas aconteceram no Rio de Janeiro. Os dois jovens assassinados existiram, tinham nome, família, sonhos, um futuro.

O primeiro deles se chamava Edson Luiz de Lima e tinha apenas 18 anos, o segundo era Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos.

Edson era paraense, filho de uma família muito pobre, veio para o Rio sozinho em busca de melhores condições de vida. Chegou a morar nas ruas da cidade e conciliava os seus estudos com o emprego de faxineiro. Johnatha vivia com sua mãe, Ana Paula Oliveira, e uma irmã na favela de Manguinhos, Zona Norte da cidade, era torcedor do Flamengo e sonhava em seguir carreira como sargento do exército Brasileiro.

Duas vidas distintas que foram encerradas de forma parecida. Duas histórias semelhantes separadas apenas pelo tempo. E isso nos diz muito sobre o país em que vivemos. Edson foi assassinado em março de 1968, durante a Ditadura Militar. Johnatha foi morto em maio de 2014, sob a égide de um governo democraticamente eleito.

Há, entre as histórias, uma distância de mais de 40 anos! E ainda assim a morte de Johnatha, sua estrutura, repete o assassinato de Edison. A polícia ainda mata como nos tempos da ditadura.

Sabemos que Edson não foi o primeiro e que Johnatha não foi o último, sabemos que há, entre eles dois, um sem-número de casos semelhantes, de histórias, de vidas que foram encerradas de forma violenta pela ação direta do braço armado do estado.

Histórias que seguem a mesma estrutura: o assassinato é apenas a primeira de uma longa cadeia de agressões, de violências que se propagam até para além dos limites dos corpos físicos de suas vítimas. Até a memória dos mortos é violada!

Protesto contra a morte de Johnatha, ocorrida em 2014. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

É comum que sejam são difamados, criminalizados para que o seu assassinato seja considerada justo, para que seja aplaudido e não condenado.

Lembram do que aconteceu com Marielle, DG, Maria Eduarda, Thiago Flausino, Claudia Ferreira…?

E aqui há um detalhe crucial, quanto mais pretos, quanto mais pobres, mais fácil será encontrar uma desculpa para o extermínio. Dependendo, nem isso será necessário. De fato, na maioria dos casos basta dizer que “houve confronto”.

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