terça-feira 7 de maio de 2024

O Papa Francisco e o Sínodo da Amazônia (2)

10 de julho de 2020 8:46 por Redação

No artigo passado, procuramos entender o Sínodo dos bispos, convocado pelo Papa Francisco: Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, sua importância, sua convocação, articulação e repercussão. Hoje, vamos nos debruçar sobre os temas que nortearam as discussões e o processo de consulta às bases para a definição dos mesmos.

(Foto nº 01)

(Fonte: http://caravaggio.org.br/)

O Sínodo é compreendido como um processo articulado em três fases: a fase preparatória, em que se realiza a consulta dos interlocutores que vivem nas realidades envolvidas;  a fase celebrativa, caracterizada pela reunião dos bispos em assembleia, que ocorreu em Roma, de 06 a 27 de outubro; e a fase de atuação, em que as conclusões do Sínodo, aprovadas pelo Bispo de Roma, o Papa (através do documento “Querida Amazônia”, de 12.02.2020) , ou seja, as decisões do Sínodo serão acolhidas pelas Igrejas em todas as localidades.

A metodologia empregada pelo Sínodo parte da realidade, como indica a Gaudium et Spes (GS 1-10), documento do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual. Cerca de 87 mil  indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e demais comunidades amazônicas foram consultados para que a Igreja soubesse quais caminhos seguir. Por meio de Assembleias locais, ocorridas na fase preparatória, o processo sinodal trabalhou para ouvir os clamores, as lutas e resistências dos Povos da Amazônia, que foram refletidas de 06 a 25 de outubro em Roma, a realidade amazônica resultando na Exortação Apostólica Pós-Sinodal, acima referida.

E quais foram os temas propostos, discutidos durante a realização do Sínodo Panamazônico? A Amazônia, com o Sínodo, deve indicar caminhos para pensar transições que permitam à humanidade repensar sua relação com a Mãe-Terra, entre si e com o futuro. “A Amazônia, uma região com rica biodiversidade, é multiétnica, pluricultural e plurirreligiosa, um espelho de toda a humanidade que, em defesa da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos, dos Estados e da Igreja” (IL Preâmbulo).

Através do processo de consultas aos povos e comunidades realizadas em 2018 e 2019, elencou-se luzes e sombras presentes na Região Amazônica. Os temas foram sintetizados e refletidos no Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo e estiveram em pauta no evento, que reuniu bispos, indígenas e especialistas nas temáticas. Fruto de uma larga consulta, o “instrumento de trabalho” teve como função mostrar os diversos aspectos do problema de que se  tratou, suas nuances, o modo como isso afeta a vida da Igreja e da sociedade envolvida.

O documento preparatório do Sínodo antecipou o debate sobre os interesses econômicos que exploram a Amazônia sob um paradigma desenvolvimentista “asfixiante, sem mãe, com sua obsessão pelo consumo e seus ídolos de dinheiro e poder” (IL 5). O IL cita, no texto, a exploração de petróleo, de gás, de madeira, de ouro, e a construção de obras de infraestrutura, como megaprojetos hidrelétricos, rodoviárias interoceânicas e monoculturas agroindustriais.

O Instrumentum Laboris do Sínodo chamou a atenção para a necessidade de respeitar a diversidade existente na Pan-Amazônia.  “Os povos tradicionais, ‘têm muito para nos ensinar’ (EG 198)”, lembra o texto divulgado em preparação à reunião em Roma. “Alguns “não indígenas” têm dificuldade de compreender a alteridade indígena e, muitas vezes, não respeitam a diferença do outro” (IL 3).

No referido Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo foi sublinhada a  falta de demarcação dos territórios indígenas e de reconhecimento de seu direito à terra como  elementos centrais para o debate da vida na Pan-Amazônia:

Proteger os povos indígenas e seus territórios é uma exigência ética fundamental e um compromisso básico dos direitos humanos. Para a Igreja, esse compromisso é um imperativo moral coerente com o enfoque da ‘ecologia integral’ de Laudato si’ (cf. LS, cap. IV). (IL 5).

Hoje, numa “Igreja em saída”, como nos lembra Francisco na sua Encíclica Evangelii Gaudium (cf. EG 46), a presença missionária na Amazônia arma sua tenda com um “conteúdo inevitavelmente social” (EG 177), reconhecendo a íntima relação  entre evangelização e promoção humana (cf. EG 178). “Em sua história missionária, a Amazônia tem sido lugar de testemunho concreto de estar na cruz, inclusive, muitas vezes, lugar de martírio” (LP 4).

(Foto nº 02)

(Fonte: www.cartacapital.com.br)

Finalmente, pensando novos caminhos para os ministérios eclesiais, o documento de trabalho deixa clara a plena consciência da Igreja sobre a urgência de buscar novos caminhos para os ministérios na Amazônia. No ponto 14 do texto, reflete-se sobre “Ministérios com rostos amazônicos”. “Novos caminhos para a pastoral da Amazônia exigem relançar com fidelidade e audácia sua missão” (DAp 11) no território e “aprofundar o processo de inculturação” (EG 126)” (cf. IL 14).

Ainda, o instrumento de trabalho do Sínodo aponta para uma mudança diante da urgência de “avaliar e repensar os ministérios que hoje são necessários para responder aos objetivos de ‘uma Igreja com rosto Amazônico e uma Igreja com rosto indígena’ (Fr.PM)” (IL14). Nesse processo se considera debater a ordenação de homens casados e a consagração de mulheres. O Sínodo abre portas para que a atividade pastoral na Região Amazônica deixe de ser uma pastoral de visita, transformando-se em uma pastoral de presença.

“A consulta aos povos da Amazônia é clara: eles pedem a ordenação daquelas pessoas que a comunidade julga adequadas para o ministério, sejam celibatários ou casados, não apenas anciãos, os chamados “viri probati[1]. São as comunidades que devem escolher e propor os seus ministros”, escreveu o teólogo jesuíta boliviano Víctor Codina. Padre Codina participou ativamente da caminhada de preparação do Sínodo da Amazônia.

Referências:

  1. Ap.: Documento de Aparecida (Conferência Episcopal do Celam).

E.G.: Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco.

G.S.: Gaudium et  Spes – Sobre a Igreja no mundo atual – Concílio Vaticano II.

I.L.: Instrumento de trabalho.

[1] Os viri probati eram homens casados de fé comprovada, que podiam se ordenar padres – muito comum no primeiro milênio da Igreja.

 

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1 Comentário

  • Estou agradecida por ver explicado passo-a-passo este documento. Vou acompanhando cada publicação com bastante atenção. Grata??

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